sábado, 26 de fevereiro de 2011

mas e o belo?

Tendo essa atávica puxança por sobreviver, ser o mais forte, o mais possuidor de comida, de poder, de bem-estar, a humanidade sucumbe em matanças e genocídios. E, no entanto, produziu a interent, a 9ª de Beethoven, os edifícios de barro de Timbuctu. Criou o belo!E todos, pobres e ricos gostam do belo, querem uma vestido bonito, uma louça linda, uma bolsa de grife, uma obra de arte. Algo que não é necessário para sobreviver fisiológicamente, mas de certo cria status e poder, como as plumagens e o canto de pássaros. Poder ajuda a ganhar um partner melhor para procriar, estamos de novo na evolução? Então nem as artes são privilégio só do homem mas já estão como semente nos genes, a fêmea privilegia o macho mais enfeitado, mais bonito? Fala, Alípio, mestre em biologia!
Se eu nascesse de novo, acho que eu seria geneticista, porque o que mais me intriga em todas as ciências e o ponto em que, na evolução humana, se instalou a estética e a ética como consciência da espécie homem não não apenas instinto.

ossos, imperadores, papas, Al-Gaddafi e parecidos

O comentário de Alipio me fez pensar o seguinte:

Tenho 3 cachorros lindos, superfinos tratos, barriguinha cheia, vacinas em dia, espaço grande para correr. Quando eles se comportam bem ainda por cima ganham como prêmio ossos suculentos, cada um um, do mesmo tamanho e da mesma vaca, portanto devem ter até cheiro parecido. O que fazem? um quer o osso do outro e o mais inteligente (no caso a cadela, sim, nós mulheres somos terríveis) quer logo todos e briga.Essa é a sobrevivência, instintos atávicos que atravessam toda históoria da evolução da vida. Até os mais primitivos dos virus já têm comportamento trapaçeiro, hospedeiro, explorador de outros. Às vezes, quando tudo já está garantido e nada essencial falta para um ser vivo, pode acontecer um ato de solidariedade, monges em mosteiros podem dar sopa para os pobres, pq eles já comeram. Promessas de vidas melhores como em todas as religiões travam um pouco as agressividades individuais, mas por conta de muito medo do inferno. Porém, em tempos de profunda crise, como nas enchentes diluviais, terremotos, tsunamis, religião nenhuma manda mais, só o instinto de sobrevivencia e há saques e matanças.Um vizinha e contra o outro. Os imperadores saqueiam e exploram, os revolucionáriso acumulam fortunas nos bancos longe de seus povos aos quais prometeram igualdade e fraternidade, religiões mandam matar ou matam quem se opõe ao poder estabelecido, aos privilégios de uns poucos que se juntam para tirar proveito, mas na hora H se traiem a si mesmos por semppre um pouco mais.
E nós nos preocupamos com moradores de rua, crianças abandonadas enquanto temos medo de eles se revoltarem de vez e tirarem de nós o que temos. Solidariedade é uma estratégia de guerra para manutenção de privilégios: fingimos que estamos preocupados mas o medo da revolta global nós faz sermos bonzinhos.
Essa é a lei da vida e sua puxança. Ou estou enganada? Alipio?

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

gravando




a reação da Prefeitura

foi de uma rapidez incrível, já me perguntaram onde ficavam os moradores e prometeram que eles iam encaminhar o Leonel. Obviamente isso foi a mando do chefe, o Fortunati, que reagiu de imediato à minha mensagem no FB. Mas como por vias normais os moradores não tem esse acesso fácil, mesmo que esse socorro ocorra (o que ainda precisa ser verificado, porque as ordens de cima muitas vezes se perdem na praia conforme descem de departamento em departamento) precisava ter um acesso fácil oficial para tratar de socorros sociais. Hoje vou passar na rua e falar com eles e colocar minhas chapas de cobre no ácido.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

voltando às artes

Recém dei uma entrevista para o prof. Ostermann dizendo que arte não serve para fazer política, pq uma denúncia atinge apenas um grupo muito pequeno, melhor é arregaçar as mangas e fazer política mesmo, protestar, se engajar, elaborar soluções. Exceção são os cantores pop: a música que move multidões combateu com sucesso a guerra no vietnã. Agora nós pobres artistas plásticos...
Aí vem a pergunta: e porque faço essas gravuras? Que ficaram mal gravadas no ácido fraco demais e estão agora no seu segundo banho. Depois vou levar uma cópia para cada um deles. Gravados em cobre eles saiem de sua situação momentânea de retratados e assumem um status de permanência e abstração [inclusive porque vão sair de lado virado, espelhados, :)] que os insere na tragédia e grandeza humana. Uma foto -arte por exemplo do Achutti poderia fazer o mesmo, mas não da minha câmera instantânea do celular.

surpresa agradável

o Prefeito Fortunati respondeu imediatamente no FB (será que ele mesmo lê seu FB?) e ofereceu tratar desse caso oficialmente e pediu para eu fazer um mail oficial, ágil!

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

leonel e a Prefeitura

Pensando em Leonel liguei para o 152 perguntando se tinha algum departamento da Prefeitura que cuidasse de moradores de rua; a moça, bem irritada sua voz, disse: tem a abordagem, mas eles levam para albergues se houver lugar e se os moradores consentem, nada contra a vontade deles, pensando que eu eu queria me livrar de uns que estavam me incomodando, acho eu pelo menos. Não é isso, senhora, eu queria saber se havia um jeito de atender um jovem morador de rua que pede para ser levado a uma fazenda para poder se desintoxicar. Aí a moça mudou um pouco o tom de sua voz e me deu um número, o número da equipe da abordagem: 32218578....Esse número está programado a não receber esse tipo de ligação no momento... Tentei religar para o 152, não atendiam mais... Vou tentar de novo... e falar com o Fortunati no Facebook.
E agorinha ouví no rádio de que em 2050 o mundo será irreconhecivel: as pessoas brigando pelos últimos recursos do planeta terra. Que perspectiva!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

teorizando sobre arte

puxa, jamais pensei que a partir do Seu Ismael eu ia chegar nesse ponto: "para que serve a arte..."
Vou ter que chamar a Márcia Tiburi para me ajudar, porque eu mesma, em 50-anos-fazendo-arte, ainda tenho dúvidas. Gravuras podem homenagear o Seu Ismael? Desenhos, pinturas, esculturas podem mexer com o mundo? Guernica fez isso? Poucos lembram que Guernica nada tinha a ver com a guerra ou algum protesto contra a guerra, a pintura foi feita para um pavilhão de exposição da Espanha nos USA e glorifica touradas, :))). Inacreditável mesmo é que depois virou ícone mundial de protesto contra guerras. Isso quer dizer que as coisas podem ser lidas de tantas maneiras diferentes que às vezes escapam das intenções dos artistas. Mas voltando para as gravuras: estou estetizando a miséria?

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

acesso negado

Pelo jeito não vou ficar sabendo de mais nada do Seu Ismael; a memória de seus companheiros gira em torno do sempre mesmo; ou eles não querem contar nada; mas o que poderiam contar, além do já contado, teria algo pior?
O acesso é negado pela diferênça dos mundos em que vivemos, o meu e o deles; mundos que por instantes podem-se cruzar, mas no fundo estão separados por um abismo. Minha má consciência de ter abandonado um corpo humano como se fosse um cachorro morto moveu mais minha curiosidade do que minha empatia?
E agora José? O que vai ser deles após esse meu contato? Será que querem ser "encaminhados" como falou Leonel? Vão se sentir explorados? Ou, pelo menos, meu interesse deixou-os um pouco mais felizes? Ai, que impotência, que dúvidas, que mal-estar. A questão social coloca tudo na balança, até o próprio fazer artístico. Vou pensar...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

dúvidas

Estou chegano a um ponto em que nada mais rende. Parece que a cachaça destruiu esses cêrebros a tal ponto que só restam vagas lembranças que se perpetuam numa circularidade sem fim. Será que esta é a possível história de um homem que nasceu nas Missões, casou, teve familia, trabalhou e caíu na sarjeta para nela findar? Apenas isso? Enterrado ninguém sabe onde exatamente. E se eu falasse com o Bira, meu amigo que tira fotos no "ML" como eles chamam o instituto?

brumas no cêrebro

Cada vez que chego nos maloqueiros (de acôrdo com o pequeno dicionário da língua portuguêsa que uso de vez em quando esta expressão é legítima) parece que nosso papo tem que começar do início, só uma vaga lembrança eles têm de mim: Sim, dona, me lembro da senhora, o Ismael é falecido.
Sei, até aí já chegamos com a nossa história, vocês poderiam me contar algo sobre como foi a remoção dele, a familia ficou sabendo da morte? houve um enterro?
Não sabemos, mas deve ter ido para o "ML", não tinha documentos, para lá vão todos sem documentos, e depois par ao campo santo.
Da Santa Casa?
Sim, dona, da Santa Casa.
Hoje apareceu um novo cachaçeiro, jovem, parecendo uma criança ainda, embora tivesse já 20 anos, o Leonel.
Porque estou na rua? Meus pais me abandonaram, morreram, e ninguém me encaminha. sou viciado; De que, crack? Não, dona, de cigarro e cachaça, eu queria ir para uma fazenda, mas ningúem me encaminha. O Seu Paulo, que diz morar numa casa e fazer paisagismo, se eu não tinha om serviço para ele: Também ninguém procura um posto, todos aqui poderiam receber auxílio doença ou aposentadoria pela idade, mas não se mexem, só ficam bebendo cachaça; eu também sou viciado.
Prometí voltar outro dia para saber mais do Seu Ismael. Dona, pode nós comprar uma cachaça? Nao, não posso, mas posso dar um dinheirinho para vocês.
Obrigado!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

o conterrâneo

O Seu Valdir estava sentado na chuva fina, murrinha. Podemos continar com nossa história? Sim, podemos, eu me lembro da senhora. Eu vim de Santo Ângelo com minha mãe que foi atrás das filhas. Tenho duas irmãs. O senhor não poderia morar com uma irmã? Poder poderia, moça, mas minhas pernas não dão, ela mora lá encima, num caminho picoso, melhor eu ficar aqui embaixo, em Teresópolis, moro com meu amigo Paulo. Eu sei falar direito, tenho boa expressão. Fui militar. O que a gente nunca pode perder, é a expressão. E a humildade. Preso ele nunca foi, Dona, ele estava foragido da polícia. Mas agora nada mais importa, não vão mais pegá-lo, ele é finado. Seu Valdir começou a chorar. Peguntei se ele era muito, muito amigo dele. O Ismael era muito mais do que um amigo, era meu conterrâneo.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

missioneiro e vingador de sua mãe

Ficou em Santo Ângelo até seus 54 anos, dizem uns, outra data dizem outros dos colegas da Rua Arnaldo Bohrer. Porque ele saíu das Missões, onde nasceu? Foi porque teve que matar. Logo dois, abusaram de sua mãe. Não perguntei se ele foi preso, vai aparecer com o tempo. Mas depois que teve que matar caíu na bebida e sua mulher e sua filha não o queriam mais em casa. As duas agora estão livres; estão?

onde vão, vai o carrinho




terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

as moscas


os pedreiros

Ele só tinha 61 anos, Dona, mas morreu uma semana depois de levar uma cacetada na cabeça, bem alí embaixo de nossa árvore, e deram outra no peito dele também, até sangue ele cuspiu, foram os pedreiros. Como assim, pedreiros, foi porque ele estava atrapalhando uma obra? Eles queriam que ele saísse daquele lugar? Não Dona, disse o Seu Valdir e caiu na gargalhada, pedreiros do crack, das pedras. Ele tinha dinheiro e eles sabiam. Quanto dinheiro ele tinha? muito? Sim, tinha, quinze real. Eu até fui com ele no hospital, e também tinha tuberculose; mas não aguentou mais muitos dias, morreu de convulsão.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

segundo passo








então me enchi de coragem e quando vi a tropa unida parei o carro, apresentei-me como artista plástica, com nome mas não com tudo, medo, insegurança, precaução...contei do morto, eles o conheciam, o seu Valdir era amigo dele, chorou ao lembrá-lo de como eles vieram jovens de Santo Angelo, e sabendo do meu projeto eles adoraram, já queriam sair na Zero Hora. Um deles tinha visto o artista que fazia quadros com os catadores de lixo concorrendo agora ao Oscar... Me deram licença de tirar fotos e prometeram contar a história do Seu Ismael e de todos os outros Moça nem queira saber, cada um de nós tem uma história para contar... as fotos já tirei e hoje começei a esboçá-los, os personagens, em cobre

domingo, 6 de fevereiro de 2011

o início

Era dia 25 de dezembro, saí cedo de casa para cuidar dos cachorros no atelier, eu precisava ver se eles tinham levado um susto com tantas bombas estouradas para festejar. Ninguém na rua, carros também não. Parei na venda de sempre aos domingos, única aberta e fácil de estacionar,durante a semana não tem jeito de parar de tantos carros na rua, e isso em Teresópolis, parece bairro quieto, quase no mato. Uma senhora entrou, aflita, enquanto eu pagava no caixa, Olhem do outro lado da rua, parece que ele está morto. Moscas entrando pela boca aberta e com espuma e moscas entrando pelos olhos abertos, uns 70 a 80 anos ele tinha, parecendo, mas quem sabe, com essa vida que eles levam. Peguei o casaco dele e o cobri, para afastar os bichos que já estavam começando a comê-lo. O dono do mercadinho já ligou para a polícia, disse a senhora, mas se você pudesse ligar também, duas vezes é mais garantido. Fui no carro para pegar o celular, liguei e fui embora, achando que o morto já tinha dono. Tinha? Depois vieram os remorsos: não era bicho não, o que custava eu ter comprado uma vela para ele e ter esperado a polícia vir pegá-lo, que não estivesse sozinho o tempo todo, noite toda, sua última noite, noite de natal.

Dias se passaram, o rosto cor de cêra com as moscas não me saía da cabeça, pensei em descobrir mais sobre o velho. Ele parece que foi funileiro, perdeu o emprego e ficou na rua, mas não sabemos muito mais; a dona da venda. Um pouco mais adiante, na encruzilhada, embaixo de uma árvore com muita sombra, sempre vejo um amontoado de maltrapilhos, quietos. Será que eles o conheciam? Falo com eles? não?